A menina equatoriana de 11 anos que teve sua extradição decretada na Bélgica poderá ficar temporariamente no país, de acordo com a decisão de um tribunal belga.
A informação foi divulgada nesta segunda-feira pelo porta-voz do Departamento de Estrangeiros do governo belga, Geert De Vulder.
A decisão do tribunal foi resultado de uma ação da advogada da família, Selma Benkhelifa, que afirmava que a mãe da menina, Ana Elizabeth, foi agredida durante a transferência do centro de detenção para o aeroporto.
Um médico levado pelo cônsul do Equador teria confirmado a agressão. O governo belga ainda não se pronunciou.
A ordem de deportação da menina ainda vale, mas ela e a mãe podem permanecer no país enquanto o caso da agressão é investigado.
Debate nacional
A decisão do governo belga de deportar a menina equatoriana de 11 anos, ilegal no país há quatro, e sua mãe comoveu a opinião pública e colocou em debate uma política imigratória que muitos classificam de "cruel e desumana".
Angélica Cajamarca e sua mãe, Ana Elisabeth, deveriam ter sido enviadas a
No dia 30 de junho, as duas esperavam seu ônibus diário quando foram vistas por um cidadão que suspeitou da presença de "duas ciganas com aparência de ladras" em sua rua e chamou a polícia.
Desde então, a imprensa belga se soma aos protestos de deputados, advogados e organizações de direitos humanos e defesa de imigrantes, que acusam o governo de violar a Convenção Internacional de Direitos das Crianças, que proíbe a detenção de menores de idade.
'Legislação equivocada'
Segundo a Coordenação e Iniciativa para Refugiados e Estrangeiros, só em 2006 foram registrados 627 casos de menores detidos nos centros para imigrantes ilegais da Bélgica, entre eles crianças de colo.
O delegado belga para direito das crianças, Claude Lelièvre, classificou a situação de "escandalosa". "Está em total contradição com o mínimo de humanidade que qualquer pessoa possa ter", afirmou.
Em um mês, o caso de Angélica motivou quatro manifestações populares em Bruxelas e levou os 63 imigrantes detidos no mesmo centro a uma greve de fome de três dias.
O episódio também foi o estopim para a rebeldia de prefeitos da região flamenca do país, onde o separatismo e o ultra-nacionalismo sempre estiveram muito presentes na população.
Incentivados pela prefeita ecologista Ingrid Pira, da cidade de Mortsel, próxima à Antuérpia, outros quatro governantes declararam publicamente que se negam a assinar ordens de expulsão de imigrantes ilegais.
"A legislação belga está equivocada em não dar lugar a exceções. Há crianças que vivem há anos na Bélgica, falam melhor flamenco do que seu idioma materno, têm seus amigos e toda a sua vida aqui. Essas crianças não deveriam ser expulsas", defende Pira.
'Racismo'
Em editoriais, a imprensa belga compara a denúncia que levou à detenção de Angélica e sua mãe à colaboração comprovada de muitos belgas com a Gestapo, a polícia secreta alemã, na época do nazismo.
"Aqui também um 'bom cidadão' achou útil questionar a polícia sobre a presença na sua rua de duas 'ciganas', suspeitas por ter reputação de 'ladras'. Uma administração que legitima a aplicação da lei por denúncias racistas se desqualifica e não inspira mais do que uma vívida inquietude", afirmou neste domingo um editorial do diário Le Soir.
Os jornalistas também recordam o caso da jovem nigeriana Semira Adamu, que em 1998 morreu asfixiada dentro do avião que deveria levá-la de volta a seu país quando autoridades belgas pressionaram um travesseiro sobre sua cara para tentar conter os gritos de protesto.
Segundo a legislação belga, um deportado não pode ser embarcado a força.
Como Angélica já garantiu que não entrará no avião, sua família teme que os oficiais de imigração utilizem, também com ela, algum método para garantir o embarque.
"Nesta manhã, os advogados tiveram acesso ao centro de detenção e nos disseram que mãe e filha foram separadas e drogadas (com calmantes)", afirmou à BBC Brasil Gerardo Cornejo, porta-voz da União dos Sem-Papéis da Bélgica. "Estamos pedindo exames médicos que comprovem que isso não aconteceu."
O Ministério do Interior belga não se manifestou sobre a acusação e se limita a afirmar que a lei deve ser cumprida.
A mãe, Ana Elisabeth, esperava legalizar sua situação nos próximos três meses, casando-se com seu atual companheiro, de cidadania belga. Só faltava concluir o divórcio com o pai de Angélica, que também vive ilegalmente na Bélgica.
Fonte:bbcbrasil.com.br